Carlos Barcelos
“embora vivamos como homens, não lutamos segundo os padrões humanos. As armas com as quais lutamos não são humanas; ao contrário, são poderosas em Deus para destruir fortalezas. Destruímos argumentos e toda pretensão que se levanta contra o conhecimento de Deus, e levamos cativo todo pensamento, para torná-lo obediente a Cristo”. (2ª Coríntios 10:3-5)
A constante pregação da Igreja Batista do Morumbi tem se baseado na convicção do caráter único das Escrituras como revelação proposicional da vontade de Deus introduzida em um mundo caído com o propósito de comunicar o amor de Deus ao homem caído.
O pensamento cristão com relação a um modo de pensar requer um exame de um sistema básico de afirmações à luz do relato da criação em Gênesis. O pensamento humano esforça-se para encontrar um sentido para a vida neste mundo. Tanto a Teologia Cristã como a Psicologia são parte deste esforço, e ambas oferecem grande contribuição para a compreensão da raça humana. Dependendo da visão de mundo da pessoa, valorizará mais uma em detrimento da outra. Junto a isso, há grande esforço para estabelecimento da validade tanto dos métodos da Psicologia como da Revelação Bíblica. Parte deste esforço tem seguido na direção de uma integração entre a Psicologia e a Teologia Cristã. Essa proposta considera que o produto do estudo bíblico e a pesquisa da Psicologia têm igual valor quanto à visão da realidade. No entanto, tal visão da realidade está em constante fluxo, devido ao continuo avanço e expansão da teoria e conhecimento científico.
Há três abordagens diferentes em relação à integração da Psicologia e a Teologia Cristã.
A primeira afirma que a Teologia Cristã e a Psicologia são essencialmente incompatíveis. Ambas são percebidas como inimigas mortais. Esta abordagem é comum entre os Cristãos fundamentalistas.
A segunda abordagem encontra valor em certos conceitos bíblicos, mas os redefine de forma a remover seu conteúdo sobrenatural. Essa abordagem tenta submeter os caráteres e eventos bíblicos à análise psicológica de modo a explicá-los sem seus aspectos miraculosos e divinos. Isso é comum entre os Cristãos liberais.
A terceira abordagem reconhece tanto a Psicologia como a Teologia Cristã como legítimas, mas não busca uma integração entre elas. Esta abordagem mantém a Psicologia e a Teologia em compartimentos separados, secular e sagrado. A Psicologia e a Teologia Cristã são reconhecidas como expressando as mesmas verdades. Por isso pode-se fazer um esforço para trabalhar com as duas: seria possível usar a Psicologia para ilustrar e dar apoio ao ensino teológico.
Alguns cristãos buscam uma integração entre a Psicologia e a Teologia Cristã, argumentando que toda a verdade é a verdade de Deus, seja lá onde for encontrada. O Cristianismo afirma que Deus é o Criador de todas as coisas e que isso estabelece uma unidade básica de toda verdade, seja ela encontrada na revelação escrituraria ou na experimentação cientifica.
A tentativa de equalizar a revelação bíblica e as percepções humanas estimuladas pela criação encontra uma dificuldade. Enquanto a natureza é caída, a revelação das Escrituras não é. Como afirmação proposicional, foi introduzida depois da Queda com o propósito de comunicar-se com o homem caído. Por isso, sua mensagem é inerrante, levando em conta que o homem e o restante da criação são caídos.
Cremos que a Bíblia ensina que a criação, incluindo o poder da razão humana, são caídos. Portanto, as interpretações e conclusões derivadas do estudo dos dados tirados da criação não podem receber o mesmo status das declarações claras e simples das Escrituras, a última coisa que queremos é escurecer os ensinos bíblicos integrando-os com as areias movediças das teorias e modelos científicos. Pelo contrário, o trabalho crucial do cristão é preservar e difundir a fé que “uma vez por todas foi confiada aos santos”.
Cremos que quando atuamos com a Psicologia e a Teologia Cristã devemos tomar cuidado para não colocar a revelação escritural no mesmo pé de igualdade com a teoria científica.
Em quase toda área da Psicologia a Escritura tem muito a dizer que pode influenciar nosso entendimento da pesquisa, da teoria e da prática psicológicas. Sem dúvidas, uma ode cooperar com a outra, pois a Psicologia levanta questões e oferece dados que dizem respeito a nosso entendimento teológico do ser humano, e a Teologia expressa as verdades divinamente reveladas que falam à visão da humanidade da Psicologia que, por natureza, está em desenvolvimento constante.
A Escritura é verdade, mas os dados que aprendemos da natureza também o são. O homem que lida com ambos, porém, é caído e, portanto, falível. Então, sua interpretação tanto da Escritura como da criação não tem a garantia da certeza. Não podemos esquecer que nessa conclusão há um elemento importante: a qualidade única da Escritura como a infalível revelação de Deus introduzida em um mundo caído com o propósito de comunicar a graça à humanidade.
Por conta da falibilidade humana, o homem está envolvido em incerteza, e o objetivo da vida tornou-se uma busca pela verdade. Essa busca passa por um esforço para integrar toda a verdade disponível em um dado momento. Como sempre estamos aprendendo, nossa compreensão da verdade não pode ser completa, mas pode estar em constante avanço. Aqui lidamos com um dilema: de um lado, temos a compreensão humana, que, marcada pela queda, não é plena, mas mutante o tempo todo. De outro, temos o homem falido e falível, que busca compreender a verdade, ao mesmo tempo em que a percebe de forma limitada.
Devemos ter ousadia na busca pela verdade. Precisamos de mais conhecimento que possa lançar luz sobre os inumeráveis problemas confortando a igreja hoje. Precisamos de novas percepções escriturísticas e novos conceitos teóricos para entender melhor a natureza do homem e de seu funcionamento. E precisamos de uma aplicação crescente de nossa pesquisa, teoria e interpretação bíblica. A Psicologia e a Teologia podem cooperar, utilizando-se de seus recursos particulares para uma reavaliação das respostas que tem sido dadas a algumas questões antigas. Devemos estar dispostos a trazer todas as fontes concebíveis de compreensão para fundamentar nosso estudo do ser humano e do dilema humano.
Diante de tal tarefa, revestida de grandes dificuldades e incertezas temos, de um lado, a Escritura que afirma-se a si mesma como suficiente para a instrução do homem na verdade (2 Tm 2:15; 3:16). Do outro lado, a ciência humana que caminha devagar, pois tratada pelo homem com sua natural ansiedade e conseqüente necessidade de defesa. Torna-se rígido, fechado ou intolerante, temendo as conseqüências da abertura. Temos aprendido que é mais seguro restringir nossa consciência. Como o homem, com tal dificuldade, pode garantir uma compreensão adequada de si mesmo?
Como Cristãos podemos afirmar uma sabedoria parcial sobre tudo isso, mas apenas dentro de um contexto de uma estrutura bíblica fixa e ampla. A Bíblia recomenda-nos cautela e circunspecção. As Escrituras nos ensina a não nos conformarmos com este mundo, mas transformar nosso modo de pensar segundo a mente Daquele que tem autoridade sobre tudo.
Cristo nos deixou exemplo claro, levado adiante pelos apóstolos, de como devemos tratar esta questão. Não temos que validar a revelação com o conhecimento do mundo, mas trazer o conhecimento do mundo cativo à revelação: “Destruímos argumentos e toda pretensão que se levanta contra o conhecimento de Deus, e levamos cativo todo pensamento, para torná-lo obediente a Cristo”. (2ª Corintios 10:5). Não temos que nos engajar em uma busca pela verdade, mas proclamar que temos sido visitados pela verdade (João 1:9, 10) e a Palavra de Deus é a verdade.
A decisão do cristão deve ser evitar lealdade a qualquer ciência humana. Não por conta da incerteza perpétua do homem, mas por que toda ciência, ainda que em processo de descoberta da verdade, depende de construtos humanos e, portanto, inferior a nós mesmos, alvos da Graça de Deus. Não podemos tomar as teorias humanas seriamente porque são em princípio falíveis. A eterna sabedoria nos diz que o criador não se curva diante da sua criação.
Um modelo bíblico para a Psicologia
A Bíblia, anunciando a Graça de Deus parar o homem, considera-o definitivo. Tão definitivo que Cristo tornou-se homem e viveu entre nós. Mesmo sua natureza glorificada pela ressurreição se assemelha a nós, podendo ser reconhecido pelos discípulos. Portanto, a ciência não pode ser maior que nós, pois ela é criação nossa, ainda que limitada, imperfeita. A recusa de adorar as obras de nossas mãos nos dá liberdade. Nós domos os mestres da pesquisa e da teoria científicas e elas são apenas instrumentos e ferramentas. A posição cristã é clara: trazer as imaginações do mundo à submissão de Deus e sua Palavra.
Através de Sua Palavra Deus providenciou um sistema no qual há tanto estrutura como liberdade. Se crermos com firmeza em seus claros ensinos, recusando ficarmos impressionados diante das obras de nossas mãos e de nossas especulações, seremos abençoados e aproveitaremos uma Psicologia produtiva, porque orientada por Deus. Na liberdade do Reino de Cristo descobriremos todas as boas e verdadeiras coisas que Ele tem para nós no domínio da Psicologia. A estrutura de pensamento providenciada pelo Espírito Santo permite um avanço da ciência porque ela submete o conhecimento da ciência ao endosso de Deus, que valida nossas teorias e modelos científicos.
As doutrinas e categorias escriturísticas básicas não podem ser niveladas às teorias e conceitos humanos. Se fizermos isso teremos um mau Cristianismo e uma má Psicologia. Se mantivermos firmeza de fé e disposição de submissão a todo conselho bíblico, encontraremos a liberdade e a estrutura necessária para verdadeira produção científica. Em Cristo e em Seu Reino, a Palavra de Deus é sempre “sim”. (2ª Coríntios 1:20)
A propósito do Celebrando a Recuperação
O conceito de "recuperação não contradiz a verdade espiritual de tornar-se uma "nova criatura" em Cristo?
• O termo “recuperação” aparece na Bíblia em 2ª Timóteo 2:26. A palavra grega usada aqui é “ananepho”, significando o retorno a um estado de sobriedade.
• Recuperação é santificação, um processo, e não algo que acontece em um instante. Em Romanos 12:2, a palavra traduzida “transformai-vos” implica, no original, uma atividade contínua. Paulo exorta os cristãos a ativamente e conscientemente envolver-se em um processo contínuo de separação de seu antigo modo de viver pecaminoso e crescentemente apartarem-se do mundo e aproximarem-se de Deus através de uma continua renovação de suas mentes.
• Recuperação é um contínuo processo de rendição – (Romanos 6:19) Paulo mostra como a oferta de nossos corpos para o pecado resulta em uma sempre crescente maldade e impureza. Quando observamos o processo da evolução da dependência a um comportamento compulsivo, percebemos que a descrição de Paulo é consistente com as descrições que ilustram a passagem do dependente através da crescente destrutividade dos comportamentos compulsivos. Paulo também descreve como uma pessoa compulsiva nascendo de novo e andando em novidade de vida em Cristo torna-se “escravo da justiça que leva à santidade” (Rm 6:19).
De que um cristão deve se recuperar?
• A Bíblia nos ensina que é Deus quem instila em nós “tanto o querer como o realizar”. Temos a instrução para por em ação o que recebemos como dom de Deus, a salvação. (Filipenses 2:12-13). No entanto, somos constantemente feridos. Por nós mesmos, por outros, por circunstâncias da vida. A dor pode ser pouca ou insuportável. Tentamos aliviá-la e criamos - sem que o desejássemos - dependências que provocam exatamente o que queremos evitar: mais feridas e mais sofrimento. Maus hábitos se formam sem que deles tenhamos consciência. Somos impotentes para mudar esta situação sozinhos, pois somos pecadores, e vivemos em um mundo mergulhado no pecado.
• A recuperação passa pelo aprendizado de aplicar a Graça de Deus em nossas feridas, dependências e maus hábitos. É necessária muita perseverança e paciência. Somente com a aplicação consciente do que aprendemos na Bíblia poderemos ser razoavelmente felizes nesta vida.
O que são “feridas, dependências e maus hábitos?
• Feridas são as dores emocionais resultantes da condição de pecado da raça humana. Em nossa condição de pecadores, erramos constantemente o alvo, provocando sempre o que queremos evitar. Nossos pais erraram conosco, às vezes de forma muito dolorosa. Desenvolvemos mecanismos emocionais para a nossa sobrevivência, verdadeiras folhas de figueira que nunca poderiam nos proteger. Ressentimentos, frustrações, amarguras são comuns. Não fomos confirmados, e nossa auto-estima sofreu muito.
• Buscando alívio para nossas dores, e destituídos da presença de Deus, desenvolvemos dependências de coisas, circunstâncias, comportamentos, e pessoas. Desarmonias em nossos relacionamentos tornaram-se padrão. Maus hábitos que talvez não nos prejudiquem tanto como as dependências, também nos prendem de forma a não nos sentirmos livres.
• Se não nos encontramos ainda com Cristo, estamos sem esperança vivendo sem Deus no mundo. Se já o encontramos, fomos salvos pela graça. Mas descobrimos que ainda não estamos no paraíso e percebemos que o pecado nos assedia tenazmente. Como Paulo nos ensina em Romanos 7, até sabemos o bem que devemos praticar, mas não o fazemos e vivemos miseravelmente.
Como o Celebrando a Recuperação ajuda o dependente que luta para manter-se sóbrio?
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• O Celebrando a Recuperação é um ambiente seguro e sem julgamento onde os dependentes em recuperação podem falar de suas lutas, pensamentos, idéias e sentimentos sem medo de rejeição. Ouvir as histórias de outros com dificuldades similares e como eles as superaram, dá ao dependente em luta grande encorajamento para continuar em uma vida de sobriedade. O Celebrando a Recuperação provê um tipo de atmosfera “familiar” que estimula a esperança de uma vida melhor para todos os envolvidos; dependências causam grande estrago sobre os relacionamentos com outros, e aqui o dependente em recuperação tem a oportunidade de começar o difícil e doloroso processo de reconectar-se com outras pessoas.
• A superação dos sentimentos remanescentes da dependência e caminhar para a plenitude da vida abundante é processo complexo e de longo prazo. A liderança dos grupos de apoio é fundamental para o sucesso do programa. Os líderes devem ser maduros, sóbrios e ter um compromisso com a manutenção de uma vida espiritual. Os líderes dos Pequenos Grupos do Celebrando a Recuperação são cristãos e membros da IBMorumbi. Foram escolhidos a partir da experimentação pessoal do Programa dos Doze Passos e dos Oito Princípios de Recuperação. Depois de treinamento, assumiram vários grupos de interesse. O Celebrando a Recuperação coopera com e recebe cooperação da equipe de Pequeno Grupo da IBM, inserido no contexto atual de nossa Igreja.
É certo para cristãos emprestarem idéias, princípios e técnicas da comunidade terapêutica secular?
• A base primeira e principal do Celebrando a Recuperação são as Escrituras Sagradas. Somos cuidadosos em sujeitar todas as coisas que fazemos em nossas vidas cristãs à luz da Palavra de Deus. Portanto, descartamos quaisquer princípios ou filosofias que contradigam a Palavra de Deus. Mais importante, rejeitamos qualquer filosofia ou abordagem que remova de um pecador seu senso de responsabilidade por suas próprias ações. Sem isso o primeiro passo real em direção à sobriedade não pode ser dado – arrependimento e purificação do pecado na Cruz de Cristo. A Bíblia é perfeitamente clara quanto ao fato de que mudanças reais e permanentes podem apenas ocorrer quando uma pessoa experimenta arrependimento verdadeiro – que implica em um senso de responsabilidade pessoal por sua ações e suas conseqüências.
• Buscamos sempre o discernimento do Espírito Santo. Um conselheiro cristão chegará a conclusões sobre um determinado problema que será diferente daquele conselheiro não cristão. Observando o comportamento humano, as conclusões de um terapeuta ou conselheiro não-cristão frequentemente refletem uma visão de mundo sem Deus. A Bíblia declara que o que não tem Deus não tem esperança neste mundo. (Efésios 2:12)Alguém sem esperança não instilará esperança no outro. Apesar desse dilema, não devemos rejeitar o conjunto do conhecimento real sobre dependências e abordagens bem sucedidas de tratamento que sejam acessíveis e úteis para nós como conselheiros cristãos.
• Cremos que o que é bom devemos usar e descartar o que não serve. (1ª Tessalonicenses 5:21) Certamente, algumas das idéias dos tratamentos seculares contradizem as Escrituras (especialmente nos tópicos de moralidade e espiritualidade). No entanto, muitos dos métodos bem sucedidos em conduzir o dependente a uma vida de sobriedade têm suas origens na Palavra de Deus. (Um dos melhores diagnósticos de alcoolismo está em Provérbios 23:29-35). Em um sentido bem real, eles têm redescoberto alguns princípios espirituais profundos quase perdidos hoje: o poder de relacionamentos responsáveis, a natureza restauradora da partilha profunda e íntima entre pessoas em recuperação, a indisputável conexão entre honestidade rigorosa e espiritualidade verdadeira. E o princípio de confortar outros através da partilha de como o Senhor nos trouxe através de situações similares (2 Cor. 1:3-7). Enquanto pessoas seculares e ateístas possam ver esses princípios sob uma luz completamente diferente, nós devemos ser hábeis em discernir, com a ajuda do Espírito Santo, que aspectos desse campo de conhecimento nós podemos integrar em nossos programas de recuperação sem comprometer a verdade revelada.
E a respeito do “conceito de doença” da dependência de álcool e outras drogas?
• Doença é qualquer condição não saudável. As dependências têm um conjunto de sintomas bem estabelecidos e reconhecíveis com comportamentos característicos e efeitos similares em todas as pessoas que sofrem com isso. Estudos científicos confiáveis têm estabelecido que muitas pessoas portam uma predisposição herdada à dependência de álcool e outras drogas. Usar o modelo “doença” também nos dá uma estrutura pela qual podemos abordar o tratamento da condição, a partir do aspecto físico. Ainda bem que, desde que os sintomas e a progressão da dependência química é a mesma para todos (diagnose), o remédio (prognose) é também basicamente o mesmo.
A Associação Médica Americana define alcoolismo como uma doença que afeta a condição emocional, psicológica, espiritual, física e social, ligada ao uso persistente e excessivo do álcool. É uma dependência química que interfere seriamente com a saúde mental e física do paciente.
• No entanto, nós devemos rejeitar o argumento de que, se doente, o individuo não teve uma escolha na questão e não era, de algum modo, responsável pelas escolhas que levaram à sua condição de dependente. O arrependimento real é essencial para o restabelecimento de um relacionamento com Deus e é perigoso aceitar qualquer abordagem que remova de alguém a responsabilidade pessoal de suas ações. O processo condutor a uma dependência plena começou com a decisão de beber, uma escolha moral mesmo para aqueles com uma história familiar de alcoolismo. Devemos ser cuidadosos para não usar uma extrema definição do termo “geneticamente predisposto”. Esse conceito refere-se simplesmente à condição de algumas pessoas que, por conta de uma estrutura biofísica herdada, reagem de forma a criar dependências que rapidamente evoluem para o uso compulsivo e dependência crônica. Enquanto há muitos fatores físicos, emocionais e sociais que contribuem para a dependência, a Bíblia é completamente clara quanto ao fato de que escolher um pecado habitual resulta no final em escravidão ou cativeiro. Realmente, a Bíblia diz que o pecado da embriaguez proíbe aqueles que o praticam de entrar no Reino de Deus (Gálatas 5:19-21). Além disso, ela nos diz que o coração humano causa muitos problemas. (Jr 17:9)
• A palavra “escravidão” vinda do grego “douleia” é um termo bíblico bem apropriado que resume a condição do dependente, seja de álcool e outras drogas, seja de qualquer outra coisa. Ela é usada extensivamente em porções da Escritura como Romanos 6, e traduzida como “servos de” ou “escravos de”. Esse termo significa uma condição que, começando em escolhas pessoais, resulta em um estado que suplanta e domina a vontade própria. Exatamente como os escravos nos tempos bíblicos não podiam livrar-se de seu estado de cativeiro, que podia ser resultado de dívidas por conta de suas próprias escolhas, assim é o dependente preso a uma condição da qual não pode escapar por sua própria força. Por isso o nome “dependente”.
• Não podemos minimizar o problema, pois essa escravidão tem efeitos dramáticos e permanentes nas pessoas que estão presas à dependência. Um pecado que consome a vida tem um impacto na pessoa inteira. Como conselheiros cristãos, nós sabemos que o poder de Deus é capaz de livrar as pessoas de sua compulsão, e de livrá-los das conseqüências emocionais, psicológicas, sociais, espirituais e físicas de um estilo de vida dependente. No entanto, nunca devemos esquecer que a escravidão a um dado comportamento vai muito além de um simples hábito. Depois que um dependente é salvo e pára de agir segundo sua compulsão ele deve resolver um conjunto especial de problemas que são as conseqüências contínuas de um modo de vida dominado pela dependência. Usualmente, sem ajuda apropriada, o dependente ou recairá ou desenvolverá algum outro comportamento compulsivo. A combinação equilibrada das percepções das pesquisas científicas quanto a essas dinâmicas com os princípios escriturísticos pode equipar-nos a ajudar efetivamente os dependentes e suas famílias.
O “bêbado” não é a mesma pessoa que o dependente ou alcoólatra?
• De acordo com a Bíblia, qualquer um que se intoxica em uma base regular é um “bêbado”. Portanto, alcoólatras e dependentes que estão usando ativamente sua “droga de escolha” são “bêbados”. No entanto, não devemos confundir nossa terminologia. “Embriaguez” é um termo que se refere a atividades com implicações espirituais e morais definidas. Gálatas 5:19-21 chama a embriaguez de pecado, uma escolha moral real que impedirá que o ofensor herde o Reino de Deus. Mas, uma pessoa pode ser um dependente ou alcoólatra sem ser um bêbado. (não existe o ex-alcoólatra, mas o alcoólatra ex-bêbado) A recíproca também é verdadeira. O “bebedor social” comum, por exemplo, pode ainda embriagar-se e não desenvolver a dependência do álcool.
• A dependência de álcool começa na embriaguez repetida. Mas, uma vez que a dependência se instala, nós estaremos falando de algo muito diferente. Adicção, alcoolismo e dependência química são termos terapêuticos para descrever esse distúrbio compulsivo e dominador da vida. Sua característica primária é a perda do controle (ou condição de “impotência”) sobre a droga de escolha. Um critério relativamente simples para definir-se uma dependência é a diferença entre o planejado e o efetivamente executado. Uma pessoa planeja beber uma lata de cerveja. Quando se dá conta, tomou dez ou doze latas. Essa perda do controle determina a dependência.
E a respeito de dizer que “uma vez alcoólatra sempre alcoólatra”?
• Através da Graça de Deus um dependente pode livrar-se da compulsão a beber. Aqueles que reagem negativamente a essa frase usualmente interpretam que ela significa que uma pessoa dependente é condenada a viver sob o constante perigo de escorregar para a embriaguez contra sua vontade. Isso, é claro, seria uma negação definida do poder de Deus em mudar o dependente e capacitá-lo a viver uma vida vitoriosa. A verdade é que muitos cristãos testificam de uma experiência na qual o poder do Espírito de Deus realmente os livrou do desejo compulsivo de usar o álcool e outras drogas. Devemos estar cientes do fato que, uma vez que isso ocorra, o dependente nascido de novo deve lutar com todas as conseqüências remanescentes de sua dependência.
• Quando um dependente é liberto da compulsão a beber, ele não é mais um bêbado no sentido espiritual. No entanto ele ainda é um alcoólatra ou dependente em recuperação no sentido terapêutico. Ao nível fisiológico, ele será sempre sensível ao álcool. O uso de uma pequena quantidade de álcool pode ativar os mecanismos químicos da dependência levando ao beber compulsivo. Abstinência total (evitar o primeiro gole) portanto, é de lei. Esse aspecto físico da dependência permanecerá com a pessoa em recuperação até que seja glorificada pelo Senhor e receba seu novo corpo. Com o reconhecimento desse fato, a pessoa em recuperação será muito mais diligente em abster-se do beber ou do uso casual da droga. Ela reconhece as terríveis conseqüências do uso mesmo que moderado do álcool e outras drogas. Se o dependente em recuperação permanece abstinente, essas conseqüências físicas da dependência não irão afetar sua vida e caminhada cristãs.
• Recuperação significa superar os resíduos da dependência um dia de cada vez. Uma vida de dependência resulta em atitudes destrutivas, emoções distorcidas e padrões de pensamento deturpados. Isso não desaparece simplesmente quando um dependente experimenta o renascimento espiritual. Considerar que um alcoólatra ou dependente está em “recuperação” implica que ela está superando ativamente os problemas remanescentes de um estilo de vida adicto através do envolvimento em um programa definido de crescimento pessoal e espiritual. Algumas atitudes profundamente enraizadas que mantém um dependente preso em sua dependência incluem: orgulho e grandiosidade, rebelião contra autoridades, desonestidade, manipulação, projeção de culpa, ressentimentos, procrastinação, etc. Todos esses defeitos de caráter são problemas comuns a praticamente todos os dependentes que, se não forem tratados diretamente, levarão ao fracasso.
Porque o dependente precisa de mais aconselhamento se ele teve uma experiência de salvação genuína?
• Há uma boa diferença entre “abstinência” e “recuperação”. Na prática, parar com o uso ativo do álcool e outras drogas pode ser bem fácil comparado com o desafio realmente enorme do desenvolvimento de um estilo de vida novo e saudável, livre da química. O aconselhamento específico quanto à dependência e outras atividades terapêuticas são comumente necessárias para ajudar as pessoas a superar as conseqüências profundas e destrutivas do alcoolismo e adicções a outras drogas. Sem o tipo certo de ajuda, os dependentes, quase que inevitavelmente, voltarão ao uso ativo de químicos ou se envolverão em algum outro comportamento compulsivo para lidar com os estresses da vida e dificuldades não resolvidas que agem contra uma recuperação saudável.
• Recuperação e a “natureza pecadora” tem forte relação. A Bíblia ensina claramente o fato de que a natureza pecaminosa, apesar de crucificada, ainda exerce uma influencia no cristão que não é sempre aparente. A visão de mundo inteira do dependente foi moldada pelo processo adictivo. Em essência, esses são os elementos de sua “natureza pecadora” ou “carne”, com a qual ele lutará por quanto tempo permanecer neste mundo. Eles podem se erguer eventualmente e causar sua derrota. Dependentes precisam da ajuda de conselheiros informados que, através de um processo de discipulado intensivo, os ensinará a ser “transformados pela renovação de suas mentes” (Romanos 12:2) e aprender como “andar no Espírito para não satisfazer os desejos da carne” (Gálatas 5:16)
• Grande problema para a recuperação é a negação. Jesus disse: “... a verdade vos libertará” (João 8:32). Isso tem uma aplicação especial à perigosa pedra de tropeço da negação que todo dependente deve superar. Se não, é certo que tropece em sua vida cristã e eventualmente recaia ao uso ativo do álcool e outras drogas. Salomão percebeu isso quando disse “todos os caminhos do homem lhe parecem puros, mas o Senhor avalia o espírito” (Provérbios 16:2). Assim, frequentemente para nós, tudo parece bem, mas sob a superfície Deus vê alguma coisa totalmente diferente. A Bíblia torna claro que o homem tem uma habilidade temerosa de tornar-se auto-enganado. (Jeremias 17:9)Em nenhum outro lugar isso é ilustrado tão poderosamente quando na área das dependências. A fim de que os dependentes vivam a vida abundante, precisam da ajuda de conselheiros experimentados que podem ajudá-los a irromper através de sua negação.
É apropriado para cristãos assistirem reuniões de Alcoólicos Anônimos e usar o Programa dos Doze Passos e a literatura de AA, ou de qualquer grupo anônimo?
• Os Doze Passos de Alcoólicos Anônimos são basicamente uma abordagem confiável e ordenada da recuperação do alcoolismo e outras formas de dependências. Bill Wilson, o autor original dos Passos, e o Dr. Bob Smith, seu co-fundador tiveram relacionamentos vitais com cristãos. Uma das pessoas importantes (por quem Bill Wilson teve grande respeito) foi o Reverendo Samuel Shoemaker, um evangelista bem conhecido do início do século 20. Algumas das pessoas envolvidas no início de AA tinham vindo a Cristo através de uma missão de resgate da cidade de New York fundada por Shoemaker. Também, através de uma irmandade chamada Oxford Groups, eles tiveram contato com vários cristãos sinceros.
No desenvolvimento do programa de AA, eles se valeram de muitas fontes diferentes, incluindo o Cristianismo Bíblico. A primeira versão dos Doze Passos era claramente cristã. Bill Wilson queria que fosse um esboço mais expandido das ações progressivas que levavam a uma vida nova e mudada. Foi somente mais tarde, depois de partilhar seu primeiro esboço dos Doze Passos com alguns dos outros primeiros AA’s que as afirmações mais abertamente “religiosas” foram retiradas. Nós não devemos julgar o AA com os mesmos padrões pelos quais podemos julgar um grupo que afirma ser uma organização cristã. AA nunca teve a intenção de ser um grupo cristão. Apesar de que houve algumas pessoas envolvidas em seu início que queria que o fosse, nós podemos notar que, mesmo hoje, o AA (praticado corretamente) encoraja a pessoa a conseguir instrução espiritual e companheirismo da Igreja e outras organizações religiosas além de si.
• Ainda, a questão principal é, exatamente como os Doze Passos ficam diante dos padrões da Palavra de Deus? Se nós nos aproximamos dele com a premissa de que foi nosso Deus quem se revelou a Si mesmo em Jesus Cristo, não há nada nos Doze Passos que contradiga as Escrituras diretamente. Eles consistem no seguinte: admissão da derrota pessoal, quebrantamento, entrega da vida e da vontade aos cuidados de Deus, confissão, restituições, aquisição das disciplinas espirituais da oração e devoção pessoal, e um desejo de alcançar outros. Se cada cristão praticasse essas coisas em uma base consistente, eles cresceriam tremendamente. Os Doze Passos são um modo simples e ordenado de aplicar os princípios escriturais que eles esposam. Eles têm uma progressão natural que pode servir como um esboço de discipulado que se ajusta às necessidades únicas do dependente. Adicionalmente, centros de recuperação que utilizam os Doze Passos proporcionam uma exposição primeira do programa através da experiência do tratamento prévio e do atendimento às reuniões de AA. Isso nos dá uma base sobre a qual construir – usando os Doze Passos como um veículo para conduzi-los a um relacionamento crescente com Jesus Cristo em direção a verdades espirituais mais profundas. Podemos afirmar que o Programa dos Doze Passos não tem o objetivo primeiro de fazer alguém parar de beber. Ele conduz a pessoa a uma amizade com Deus cujo resultado é a sobriedade.
• No Celebrando a Recuperação, porém, nós identificamos Jesus Cristo como nosso Poder Superior, claramente usamos a Bíblia como fonte de referência, mais os Oito Princípios de Recuperação baseados nas nove Bem Aventuranças. Definidamente, declaramos que o Programa dos Doze Passos não é um programa para nos recuperarmos de nossas feridas, dependências e maus hábitos apenas. Em primeiro lugar, ele nos ajuda a estabelecermos uma amizade com Deus (João 15:14; Tiago 4:4). Usamos o mesmo programa, mas nosso foco é diferente.
Porque o dependente deve evitar novos relacionamentos românticos no primeiro ano de recuperação?
• Para evitar perder o foco em questões pessoais, pois para os dependentes, mudanças reais permanentes ocorrem apenas ao longo de um processo frequentemente doloroso de autodescobertas. Isso envolve o entendimento de seus próprios comportamentos adictivos, suas emoções reprimidas, e padrões de pensamento destrutivos. No entanto, sua negação usa os sentimentos e comportamentos dos outros para evitar enfrentar sua própria dor e desonestidade e assumir responsabilidades por suas ações controladoras e vergonhosas. A introdução de um relacionamento romântico, com um intenso foco na outra pessoa muito cedo na recuperação, inevitavelmente provocará um “curto circuito” no importante processo de reconexão consigo mesmo e com o aprendizado em tornar-se responsável por seus próprios sentimentos e comportamentos.
• Para evitar as ilusões e desonestidade da paixão cega. A fase inicial da recuperação é sempre uma ocasião muito emocional e dolorosa. Isso pode ser um motivador importante para a recuperação, incentivando a dar os difíceis passos necessários para que mudanças reais aconteçam. Apaixonar-se (e tirar o foco de si mesmo) pode criar um falso senso de bem estar. No amedrontador, estranho e frequentemente doloroso tempo do início da recuperação, tornar-se especial para uma pessoa é um tremendo amplificador do ego. Isso pode criar no dependente a ilusão de estar muito adiante no processo de recuperação do que realmente está. Adicionalmente, o compromisso com a ”honestidade rigorosa” é usualmente deixada de lado pois ele se esforçará para criar a melhor impressão possível para ganhar as afeições da outra pessoa.
• Todo dependente é também um codependente. O não envolvimento emocional previne a recaída por conta do estresse da codependência. Uma definição simples de codependência é usar a outra pessoa para criar sentimentos agradáveis em nós mesmos. Pessoas no início da recuperação podem facilmente transferir sua dependência do álcool e outras drogas ou de qualquer outro objeto, para a dependência de outra pessoa. Até entenderem o que está relacionado com sua própria codependência, é certo que voltem aos antigos meios desonestos e insanos de relacionamento. Por si mesmo, o estresse do início da recuperação frequentemente resulta em recaída. Usar habilidades de relacionamento inadequadas e insanas para lidar com o relacionamento afetivo criará frustração e mesmo mais estresse, abrindo a porta ao uso de álcool e outras drogas ou a atuação dos antigos comportamentos compulsivos, por que esse é o modo que o dependente sempre tentou para lidar com emoções difíceis.
• Evita a armadilha sexual. Dependentes no início da recuperação são especialmente vulneráveis à tentação sexual. Se eles começam um relacionamento romântico muito cedo, eles tem garantia virtual de falhar nessa área. Eles se tornam envolvidos em atividade sexual porque eles simplesmente não sabem como se relacionar de forma verdadeiramente íntima e sofrem de uma sériafalta de autocontrole. Para a maioria, sexo é como outra ‘droga’. O estado alterado de consciência que ele cria pode dar a pessoas em sofrimento a falsa sensação de bem estar e alivia os sentimentos de dor e insegurança. Falhar nesta área pode ser extremamente devastador, causando um tremendo senso de incompetência e desencorajamento. E, se eles não se arrependerem dessa maneira inadequada de lidar com o sexo, o resultado é um sério estado de desonestidade que sabota o processo da recuperação.
• Evita facilitadores e “quebra-galhos”. Há pessoas que se atraem romanticamente a outros que estão em programas de recuperação. Essas pessoas, usualmente, tem sérios problemas com a codependência em suas vidas. São pessoas que são facilitadoras ou “quebra-galhos” e de fato, são atraídas a pessoas problemáticas. Costumam negar sua própria necessidade de recuperação, e usualmente pressionam os dependentes para deixar o programa prematuramente, convencendo-os de que eles não estão tão mal assim ou o que eles precisam é de um bom parceiro ou parceira para melhorarem.
• Evita o corte de relacionamentos com outros em recuperação. Os dependentes costumam usar pessoas para criar bons sentimentos em si mesmos. Com isso, todos os seu relacionamentos, especialmente os românticos, são completamente autocentrados. Por isso, uma das mais importantes fases do início da recuperação é aprender a relacionar-se com outros de ambos os sexos de forma honesta, não romântica e íntima. Isso pode ser uma experiência tremendamente restauradora. No entanto, envolver-se em um relacionamento “exclusivo” certamente irá burlar esse processo. O resultado é perder a bênção de relacionamentos positivos e significativos com outras pessoas em recuperação em honestidade e auto-revelação mútuas.
• Essas são algumas razões por que no Celebrando a Recuperação há a importante regra de que os grupos de interesse sejam constituídos apenas de pessoas do mesmo sexo. Além de permitir a troca de experiências sem constrangimentos, evitam-se envolvimentos emocionais.
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20 April 2009
Se temos a Bíblia porque precisamos da Psicologia?
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