23 December 2009

Fundamentos Teológicos do Aconselhamento Bíblico

Em artigo anterior, publicado no blog do Celebrando a Recuperação (“Se temos a Bíblia, porque usar a Psicologia?”), apresentamos uma proposta de trabalho levando em conta a nossa convicção de fé em não negarmos os fundamentos bíblicos em troca do uso da Psicologia. Reafirmamos nossa convicção de que as Escrituras oferecem uma base consistente para o trato dos problemas humanos na vida, morte e ressurreição de Jesus. Não abrimos mão do legado de nossos antecessores, no qual há uma compreensão do ser humano a partir de um Deus que se revela e se relaciona com o homem através de Jesus Cristo que envia o Espírito Santo para habitar o coraçao de todo aquele que crê Nele como Salvador e Senhor de sua vida.
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Bem ou mal, a Igreja Cristã tem realizado seu trabalho de cuidado pastoral desde sua fundação, pois essa foi a instrução registrada no Novo Testamento, considerando as Escrituras inspiradas por Deus e uteis para o ensino, para a repreensão, para a correçao e para a instrução na justiça, para que o homem de Deus seja apto e plenamente preparado para toda boa obra (2ª Timóteo 3:16-17).

Com o advento das abordagens psicológicas modernas, a partir de Sigmund Freud ao final dos anos 1800, em pouco tempo a base bíblica da Criação, Queda e Redenção do homem sofreu grande ataque por abordagens seculares de saúde e doença mentais.
Por conta disso, muitos estudiosos entenderam ter encontrado um meio de retirar o Deus pessoal de suas interpretações a respeito do mundo e do homem. Pecado, salvação, vida eterna deixaram de existir ou, no mínimo, relegados à condição de ideias repressoras dos legítimos desejos humanos. Novas práticas psicoterapeuticas prometiam a resolução de problemas pessoas e/ou interpessoais através do trabalho psicoterapeutico ao alcance do homem.

Por outro lado, a Igreja, em boa parte, adaptou-se a essas propostas. No começo do Século 20, as Escrituras continuaram a ser pregadas, mas passaram a um segundo plano como fonte de aconselhamento por muitos, criando uma minimização da mensagem redentiva das Escrituras.

No entanto, se lermos cuidadosamente e sem assombros a Bíblia notaremos que ela se expressa como verdadeira conselheira: diagnostica doenças emocionais, (“A esperança que se retarda deixa o coração doente, mas o anseio satisfeito é árvore de vida”. Provérbios 13:12), explica comportamentos e emoções, (“O Senhor deu aos seres humanos inteligência e consciência; ninguém pode se esconder de si mesmo”.Provérbios 20:27), interpretação de sofrimentos e influências externas, definições de situações funcionais (Efésios 5-6), caráter do conselheiro (Gálatas 6:1-10), alvos do processo de aconselhamento, (Filipenses 4) etc., ou seja, toda instrução necessária tanto para o conselheiro como para o aconselhado está à sua disposição no texto bíblico. (2ª Timóteo 3:16)

Em meados do Século 20, a percepção da comunidade científica começou a mudar como resultado da própria evolução científica. O advento dos processos médicos de ressuscitação nas UTI’s hospitalares, por exemplo, confrontou a ciência com a descrição de eventos transcendentais pelos pacientes que experimentaram a proximidade da morte. Estudos sobre a oração, particularmente a meditação provaram a realidade de percepções desconhecidas da ciência até então. Isso trouxe à cena, mais uma vez, o interesse pelas Escrituras como fonte de informação e compreensão desses fenômenos.Mais uma vez na história, as Escrituras são confirmadas como fundação para todo pensamento adequado, diagnose e cuidado para as pessoas e seus problemas.

A Igreja tem sido desafiada a repensar suas crenças a respeito do por que e do para que as pessoas lutam e como ajudá-las quando procuram o cuidado pastoral. Sem abrir mão de nossa convicção de fé nas Escrituras e de uma visão centrada em Deus, como incluir o que legitimamente pode ser aprendido da psicologia moderna?

No final do século 20 ficou claro que a geração atual de conselheiros bíblicos beneficiou-se das forças de seus predecessores assim como aprenderam de suas fraquezas. Tem surgido uma geração de conselheiros com uma sensibilidade aumentada ao sofrimento humano, à dinâmica das motivações, à centralidade do evangelho na vida diária do cristão, à importância do corpo de Cristo, ao mesmo tempo em que praticam um engajamento mais articulado com a cultura secular.

No século 21 é fundamental o envolvimento e a aproximação do Aconselhamento Bíblico em muitas áreas da metodologia de aconselhamento. O Conselheiro Bíblico deve continuar enfatizando a centralidade do corpo de Cristo como o contexto primário para o cuidado e aconselhamento ao mesmo tempo em que reconhece o lugar legítimo de recursos mais amplos dentro do corpo de Cristo. O relacionamento entre os conselheiros bíblicos e os companheiros evangélicos envolvidos no aconselhamento profissional e clínico deve continuar a ser trabalhado em busca de um relacionamento cordial nas quais diferenças podem ser construtivamente discutidas a assimiladas como acréscimo. O Aconselhamento Bíblico é e sempre será uma "Psicologia". Ele oferece uma compreensão distintivamente cristã das pessoas e seus problemas, influências, sofrimentos, motivos, e processos de mudança. Esse trabalho conjunto deve desenvolver um maior enriquecimento do trato cristão das dificuldades humanas.

A Igreja atual necessita de um posicionamento adequado ao momento em que vivemos. E nada mais adequado que a reafirmação de nossas convicções historicamente desenvolvidas e firmadas nas Escrituras.
Somos protestantes, afirmando a única autoridade das Escrituras, descrita nos credos históricos da Igreja Primitiva e da Reforma. Baseados nesta tradição teológica, podemos estar seguros para partilhar nossas convicções com os que pensam diferente e ministrar a cristãos de uma gama de perspectivas teológicas distintas.

O Conselheiro Bíblico tem condições de lidar com todas as pessoas de maneira humilde e ao mesmo tempo elegante:

a. Deus nos ensina a ver o mundo da maneira como Ele o vê, e ver como todas as coisas existem em relação com Ele. O Conselheiro Bíblico está compromissado com a completa confiabilidade e primazia das Escrituras.

b. A ação de Deus na vida humana desdobra-se historicamente e o Conselheiro Bíblico está compromissado com a perspectiva narrativa providenciada pela teologia histórico-redentiva, a linha histórica que emoldura nosso entendimento da teologia sistemática, teologia prática e a história da Igreja.

c. A ação salvífica de Deus em Jesus Cristo cria um povo para sua própria possessão. O Conselheiro Bíblico está compromissado em servir a Igreja visível.

d. Há um só corpo e um só Espírito. O Conselheiro Bíblico está compromissado a servir Cristãos de diferentes associações denominacionais.

e. Os meios e as palavras de Deus são relevantes através dos tempos, em todos os lugares e todas as pessoas; a Igreja é chamada a mover-se redentivamente em direção ao mundo e não em isolamento defensivo ou hostil; estamos compromissados com a importância da sensividade e engajamento culturais.

Na tentativa de ampliar o entendimento entre os vários ministros e conselheiros cristãos, expressamos algumas aplicações para o aconselhamento a partir que nossas convicções teológicas.

1. O Conselheiro Bíblico, por definição, está centrado em Cristo. Portanto, o aconselhamento deve apontar Cristo para a pessoa e não para um programa a não ser como um meio para se chegar a Cristo, pois ele é a sabedoria de Deus, o dom indescritível para nos livrar de nossos problemas e sofrimentos. Cristo é a fundação para a fé que sustenta o chamado à obediência, de onde derivamos toda a nossa habilidade para mudança. As pessoas precisam do Salvador, não de um sistema de auto-salvação.

2. O Conselheiro Bíblico deve reconhecer a graça comum de Deus a toda comunidade, e, portanto podemos aprender daqueles que não adotam uma visão cristã ou mesmo teista do mundo. Por exemplo, se por um lado a visão da psicologia secular é contrária ao Cristianismo, por outro lado, há muitas riquezas descritivas a ser encontradas nos escritos e ensinos daqueles que conseguiram sabedoria através de sua pesquisa e cuidado. Esses materiais podem enriquecer o nosso cuidado daqueles em necessidade e podem ser muito úteis para nós enquanto continuamos a desenvolver o nosso método de aconselhamento baseado na Bíblia.

3. O Conselheiro Bíblico deve estar consciente de que o comportamento humano está completamente ligado a impulsos motivacionais profundos. Portanto, enfatiza a primazia do coração, porque todos os atos humanos surgem a partir de um núcleo de adoração, seja ele desordenado ou corretamente ordenado. (“Os propósitos do coração do homem são águas profundas, mas quem tem discernimento os traz à tona” Prov. 20:50)

4. O Conselheiro Bíblico deve acreditar que refletimos melhor a imagem de Deus triuno enquanto vivemos e crescemos em comunidade. Portanto, promove a mudança pessoal dentro da comunidade de Deus: a Igreja, com todos os seus recursos ricos de meios corporativos e interpessoais de Graça.

5. O Conselheiro Bíblico acredita que as Escrituras são ricas em seu entendimento do que somos como seres humanos. Portanto, usa as Escrituras com pleno compromisso à sua autoridade e suficiência, convencido que do começo ao fim, elas revelam Cristo e sua graça redentora poderosa endereçada às necessidades e lutas típicas da condição humana.

6. O Conselheiro Bíblico acredita que os seres humanos são tanto espirituais quanto físicos. Portanto, reconhece que a pessoa tem um corpo físico pelo desígnio de Deus. Uma variedade de influências corporais influencia a resposta moral. Toma a pessoa em seu todo seriamente, admitindo que há ambigüidades na conexão entre a alma e o corpo. Procura permanecer sensível aos fatores fisiológicos, como o contexto dentro do qual Deus chama uma pessoa à fé e à obediência.

7. O Conselheiro Bíblico crê que as pessoas são socialmente envolvidas pelo desígnio de Deus. Portanto, reconhece as influências variadas e os sofrimentos vindos do ambiente sócio-cultural sobre a resposta moral. Leva em conta seriamente o contexto da pessoa como um todo, concedendo que há ambigüidades nesse contato entre o indivíduo e seu ambiente. Ele procura permanecer sensível aos fatores sociais, como o contexto diante do qual Deus chama uma pessoa à fé e à obediência.

8. O Conselheiro Bíblico acredita que a encarnação de Jesus não é apenas a base justa para o cuidado, mas também um modelo pelo qual o cuidado deve ser administrado. Procura entrar na história da pessoa, ouvindo bem e expressando um amor equilibrado. Esta paciência semelhante à de Cristo reconhece que um período de aconselhamento intencional tem uma parte dentro do processo de crescimento cristão que dura a vida toda.

9. O Conselheiro Bíblico crê que Jesus é o nosso Redentor fiel que nos capacita a perseverar em meio a nossos problemas. Portanto, entende que a mudança freqüentemente é lenta e dura. Jesus não promete uma panacéia instantânea. Ele habita em nós enquanto nós habitamos nele. Ele dá graça para caminharmos por uma longa obediência, em direção ao aprendizado da sabedoria.

10. Nenhum aconselhamento, seja cristão ou não, "termina". Não expressamos e clarificamos tudo o que a Bíblia tem a dizer sobre o ministério de aconselhamento. Portanto, porque Jesus demora e ainda não somos o que devemos ser, humildemente admitimos que lutamos para aplicar consistentemente tudo o que dizemos que cremos. Mas queremos aprender e crescer em sabedoria. Nós que aconselhamos e ensinamos aconselhamento vivemos em processo, exatamente como aqueles que aconselhamos e ensinamos.

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